Vamos lá a esclarecer desde já um pormenor: o Talho, um dos estaminés do simpático e competentíssimo Chefe Kiko (cuja Chevicheria já aqui trouxemos, pela pena da LA) não foi a nossa primeira opção: eu e a PG costumamos encontrar-nos sobretudo a Norte mas não deixaríamos passar a minha estada na capital sem fazermos estragos, a uma mesa qualquer, e a primeira ideia foi a de ir a um outro estaminé, mas este estava fechado à segunda-feira, pelo que tivemos de esgalhar um plano B a toda a brida. A sugestão, mais uma vez, partiu da PG, que há algum tempo que tinha o Talho na mira e, mal acertámos agulhas (o que foi rápido, porque eu sou uma fácil), ela marcou mesa.

O Talho fica ali a dois passos do El Corte Inglès, numa esquina com a António Augusto Aguiar, o que dá um jeitaço para quem, como eu, estava de visita e não poderia deixar de visitar mais uma meca do consumo (só para abrir o apetite, já se sabe). Conselho amigo: não gastem tudo em trapos, sapatos e cosmética, que o Talho é menino para se fazer pagar bem – se é que podemos falar nestes termos quando o que recebemos vale tudo o que pagamos.

Chegámos uns minutos antes da hora marcada e, quando entrámos no espaço, fomos recebidos pela funcionária que nos espera num balcão/caixa mesmo em frente da porta de abertura automática, rodeada de vitrinas com vários modelos de picadores de carne manuais (como havia em casa dos meus avós). Simpaticamente, convidou-nos a esperar um minuto na divisão seguinte, o talho que dá nome ao estaminé (e onde a minha cunhada volta e meia vai mesmo comprar carne, porque lhe fica perto do emprego) e que é uma perfeita delícia, tanto em termos de oferta, como no que toca à decoração e limpeza – não sei se estou a ser preconceituosa, mas um talho raramente se me afigura como sinónimo de limpeza, mesmo que seja a coisa mais higiénica do mundo. Mas ali, entre os frasquinhos de flor de sal, batata frita em caixas de plástico, os livros do Chefe Kiko, as latas de azeite picante, os recipientes com molhos, vinhos e temperos vários, tudo para venda como a carne armazenada em frio, sentimos que não poderia haver melhor sítio para aguardar enquanto nos arranjam a mesa.

Entretanto, o chefe de sala (do sexo masculino e na casa dos 25 a 35 anos, como todos os demais funcionários que nos atenderam – excepção feita para a senhora na caixa/recepção) veio buscar-nos para nos conduzir à nossa mesa, na sala de dentro – onde, à la Gordon Ramsey, se observa a lufa-lufa que vai na cozinha (mas sem a parte de haver um chefe aos berros como se não houvesse amanhã, que ali o ambiente é descontraído). O espaço é engraçado: a luz é muito baixa, o que é acolhedor mas bera para quem quer fazer registos fotográficos (desculpem, desde já, a qualidade das fotografias, ainda mais sofrível do que o costume), há uma parede inteiramente revestida a pratos antigos (ou que passam por isso, não consegui descortinar), uma estante com livros de cozinha e lanternas que nos deixam à média-luz. Àquela hora (cerca das 20h30), a sala que haveria de encher (mais do que uma vez, porque houve sempre pessoas em espera, sendo que estamos a falar de uma segunda-feira, em Agosto, numa zona longe dos habituais percursos turísticos) estava ainda a pouco mais de meio gás, mas não creio que se deva a isso a celeridade do serviço, que nunca falhou: creio que ali é ponto assente que a eficácia de quem serve às mesas é uma característica, não um acaso dependente de variáveis.

Primeiramente, pensámos que o menu de degustação de seis pratos (por 45€) poderia ser dividido, o que constituiria opção bestial, mas rapidamente percebemos que a coisa é pensada para um só estômago e dos muito grandes – e com carteira proporcional (de todo, o modo, não convém pisar este espaço se se estiver a controlar o orçamento). Recebemos o couvert com alegria (tanta que me esqueci de fotografar metade), que duplicou depois de lhe tratarmos da saúde: o creme de parmesão estava bestial, o potezinho com uma pasta de chouriço absolutamente divinal e o pão em que os barrámos era tudo de bom (literalmente, porque o havia de vários tipos, incluindo uma coisa tipo hóstia, de paladar divino). Também nos foi oferecido um amuse bouche, composto por uma gelatina de beterraba e um creminho já não sei de quê (perdoem-me, foram muitos dias de comezaina e não há pachorra tempo para apontamentos) que deixavam um gosto fabuloso na boca.

Não contávamos embarcar nas entradas, para termos estômago para tudo o mais (mesmo porque eu havia feito a folha a um gelado dos grandes, uma hora antes), mas não resistimos à sugestão do funcionário que nos acompanhou a maioria do tempo: o Chefe Kiko estava a recomendar os seus Croquetes de Cozido à Portuguesa (com carnes do cozido, hortelã e chouriço) e nós, que somos bem-mandadas, anuímos. E que bom que somos tão fáceis de convencer: a cada dentada sentia os sabores do cozido da minha mãe, barrados numa pasta de chouriço que foi depositada, a partir de uma bisnaga, na superfície de lousa onde a entrada foi servida – estávamos a continuar belissimamente o que já havia começado bem.

Entretanto, chegava-nos o vinho (que escolhemos da casa, tinto, e servido a copo) e os pratos principais. Escolhêramos duas coisas que agradariam a ambas, para que pudéssemos fazer umas trocas e provar o máximo que fosse possível: obviamente, o Tártaro (novilho, musse de rábano, batatas fritas e shot de vodka) e a Vazia de Novilho (novilho, farofa, batatas fritas e salada). O Tártaro foi preparado na mesa, pelo funcionário (porque a PG assim o entendeu, já que não é imperativo que assim seja), que preparou uma espécie de rolinho de sahimi de carne com uma folha de alga, aconselhando-no-lo vivamente, pela conjugação de sabores. Já a Vazia, vinha preparadíssima e tão estupidamente mal passada como eu a pedira, o que me fez dar saltinhos de contentamento (interiores, estejam descansados), porque é raríssimo que me percebam que, se assim o peço, é porque gosto da carne pouco mais do que selada – mas ali estávamos em sítio onde se fala a mesma linguagem, não havia o que temer.

A mais de meia hora seguinte foi uma mescla (mais) de conversa posta em dia e suspiros de contentamento: o tártaro era, de facto, uma obra de arte e o “sashimi” uma delícia, a vazia parecia lombo em consistência e vazia no que toca ao sabor, a farofa foi a melhor que já me foi dada a provar, as batatas fritas são fabulosas e a saladinha muito bem temperada. Tudo estava absolutamente bom, sendo que das mesas vizinhas nos chegavam interjeições de contentamento similar, relativamente a pratos diferentes.

Nas sobremesas, hesitámos, mas caramba, já que a vida estava perdida, não havia como não provar uma que fosse, só para verificar se o patamar de qualidade se mantinha (tudo por amor ao rigor científico, nada mais). Mais uma vez, quem nos serviu fez o favor de nos aconselhar (e bem, do princípio ao fim) e acabámos por nos decidir pelo Parfait de Erva Príncipe (erva príncipe, folha de arroz e gelado de goiaba), que acabámos por comer até à última migalha e que foi a cereja em cima do nosso bolo, pela originalidade e (bom sabor).

No final, uma conta de 37,50€ por cada estômago justificava-se plenamente: fora uma experiência magnífica a todos os níveis, recomendável a todos os carnívoros convictos que acumulem essa qualidade com o bom gosto. Nós ficámos fãs e voltaremos, certamente, porque nunca resistimos a um espaço de bons apetites.

O Talho | Chef Kiko
4.8 / 5 Carapaus
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Positivos
  • a qualidade da carne
  • o espaço
  • Negativos
  • o preço
  • a escuridão da sala
  • Resumo
    Estaminé a não perder, por quem puder pagar o bem que se come.
    Serviço4.5
    Comida5
    Preço/Qualidade4.5
    Espaço5
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    O Talho | Chef Kiko

    Morada: Rua Carlos Testa 1B, Praça de Espanha, Lisboa
    Telefone: 213 154 105
    Horário: Dom a Sáb – 12h30 às 17h00 e 19h30 às 23h00
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