Fomos parar à Adega O Escondidinho por via de uma daquelas circunstâncias a que chamaríamos acaso: alguém disse a alguém que disse à RV que havia um estaminé muito discreto junto ao Jardim de Arca d’Água (na rua que o liga ao Campo Lindo) onde se comia divinamente – e isto não constitui acaso porque o que passa de boca em boca, entre gente que gosta dos bons comeres, é bem intencional. Ora estávamos em pleno Verão, naqueles dias que se prolongam até muito tarde e em que as temperaturas, mesmo no Porto, convidam a muita rua, pelo que não nos fizemos rogadas: numa quarta-feira (porque a Adega está fechada de domingo a terça-feira, o que é absolutamente incomum), depois de marcarmos mesa para a esplanada que sabíamos existir, lá fomos ver onde paravam as modas.
O estacionamento na rua não foi difícil, mas acho que tivemos sorte: trata-se de uma zona residencial, onde nem sempre deve ser fácil encontrar lugar para a burra; de resto, a MJ chegou depois de mim e da RV e foi estacionar já quase ao Campo Lindo. Depois, tratou-se de dar com o número de polícia, chegando a uma casa térrea, discreta mas elegante, com uma campainha que indica o estado normal da Adega do Escondidinho: porta fechada. Naquele dia, com certeza por mor de um calor inenarrável e na tentativa de chamar as correntes de ar (que se agradecem), bastou empurrar: entrámos num pequeno corredor com um teto feito de garrafas vazias (interessantíssimo) e, à esquerda, deparámo-nos com a sala interior, com capacidade para pouco mais de uma vintena de comensais, e de ar tradicional e quase austero, contrastando com a descontraída esplanada, onde escolhêramos ficar.
Dirigimo-nos ao espaço onde duas mesas estavam já ocupadas (seriam umas 20h) e ocupámos a mesa que um dos funcionários (seria dono?) amavelmente nos indicou, após o que nos foi facultado o menu e dadas algumas recomendações quanto ao que seriam os pratos do dia. Quase simultaneamente, foi-nos trazido um cesto com pães diversos (todos saborosos e frescos), uma tábua com ótimos queijo e presunto, que degustámos com prazer, bem como um paté de delícias do mar e pimento, servido naquilo que parecia uma lata de conserva e rodeado de tostinhas – estava maravilhoso e não sobrou um bocadinho para amostra.
Entretanto, era tempo de mandar vir a refeição principal, sendo que achámos que, numa noite de canícula, os petiscos seriam reis e senhores (embora os pratos principais tenham, também eles, despertado a nossa atenção: pareciam quase todos apetecíveis); para acompanhar, evidentemente, o belo do fininho, que ajudaria na hidratação e refrigeração. Assim, e com o acordo de todas, mandámos vir o Camembert Gratinado Com Mel (4,50€), os Folhadinhos de Alheira Com Maçã (2,75€), os Cogumelos Recheados (3,50€), as Moelas (3,75€), as Pataniscas de Bacalhau (4,75€) e os Ovos Rotos (4,75€) – a ideia era provar de tudo e passar o serão entre bons apetites e muita conversa jogada fora, com vagar.
Os pratinhos não vieram todos de uma vez, o que nos agradou bastante, mas não revelavam um cuidado que considero essencial (e que noto muito em restaurantes onde vou comer sushi): creio que, quando se servem pratos com peças individuais, deveria haver o cuidado de que estas fossem sempre em número igual (ou múltiplos) ao número de convivas sentados à mesa – de outro modo, há de haver sempre a circunstância esquisita de sobrar a peça-da-vergonha, mesmo se entre gente que está absolutamente à vontade, como é o caso. Mas adiante, tenho plena consciência que isto é uma mariquice minha que não chega a ser exigência; só acho de bom-tom, pronto.
Comecemos pelo menos bom, que é rápido e de menção curta: os folhados de alheira e maçã eram mesmo muito fraquinhos. O recheio era quase inexistente, a massa pouco estaladiça e sabiam a algo que eu poderia ter feito em casa – e acho que faria melhor, sem falsas modéstias. De resto, este foi o calcanhar de Aquiles da refeição, já que tudo o mais estava muito bom e foi degustado até ao fim, entre muitos comentários abonatórios: saliento os ovos rotos, que trinchámos de modo a que ficasse tudo misturado, e as pataniscas, altas e fofinhas (estas, curiosamente, em múltiplos de três: seis peças); os cogumelos, embora pequenos, também estavam muito saborosos e o Camembert foi uma delícia de comer.
Nas mesas ao lado, a satisfação também parecia uma constante, sendo que nós devíamos ser as únicas marinheiras de primeira água, a aferir pela familiaridade com que os outros comensais se comportavam e dirigiam aos funcionários – e isso é sempre bom sinal, porque só volta frequentemente quem está satisfeito. Quem parece voltar, também, em noites de calor, são as melgas/mosquitos, que se revelaram companhia pouco amistosa.
Aproveitámos para saber das sobremesas e eu e a RV não resistimos a terminar a noite com o doce – já a MJ é pouco ou nada doceira, o que invejo profundamente mas não consigo imitar. Veio, assim, uma Panacotta de Frutos Vermelhos para a RV, que ela apreciou, por ser pouco doce (justamente o que me faz afastar quase irremediavelmente de qualquer doce do género) e, para mim, um Fondue de Chocolate, servido com manga, ananás, morangos e maçã, sendo que esta ficou toda lá, porque não aprecio a conjugação de sabores.
No final do banquete, vieram ainda para a mesa uns copinhos com um licor que viemos a saber ser de ginja e que eu e a MJ bebemos, satisfeitas com o gesto simpático – ainda que nenhuma de nós aprecie licores. Já a RV teve de se obrigar a emborcar um gole, porque detesta a coisa – mas seria impossível não agradecer, bebendo, mesmo porque a ginjinha era bem janota. O serviço é muitíssimo cordato e atencioso, embora por vezes seja demorado, o que se prenderá com um volume maior de pedidos simultâneos.
Contas feitas, pagámos 16€ e uns cêntimos cada uma, o que nos pareceu muitíssimo barato, para um serão tão simpático e com tão bons apetites. Apetece voltar, sim senhores.
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