Há já uns anos que tento não perder uma Restaurant Week RW): estreei-me em Lisboa, no Adlib, no tempo em que esta iniciativa acontecia apenas uma vez por ano e era uma corrida louca para conseguir marcações nos restaurantes mais concorridos. Tal sucesso deve-se ao facto de a RW nos permitir (a nós , pelintras) conhecer restaurantes mais carotes a um preço amigo (e fixo: 20€, sendo que, desses, 1€ está direcionado para uma qualquer instituição previamente escolhida e divulgada), a partir de um menu especialmente criado para o efeito. Há sempre pelo menos uma entrada, um prato principal e uma sobremesa; não obstante, a maioria dos restaurantes acaba por oferecer, dentro de cada uma destas etapas da refeição, duas ou três opções, por forma a agradar a gregos e a troianos.

Já pelo Porto, e aproveitando o facto de, atualmente, estas “semanas” (que ocorrem, na realidade, durante dez a quinze dias) acontecerem três ou quatro vezes por ano, tenho conhecido muito restaurante conceituado (uns bem melhores do que outros) porque faço questão de (com a RV, uma das fundadoras e sempre amiga deste nosso Cardume) marcar qualquer coisa mal sai a notícia dos restaurantes e menus protagonistas da coisa.

A Mesa

Desta feita, depois de umas horas a matutar, e porque tentamos ir sempre a estaminés diferentes (o que vai sendo cada vez mais difícil, porque são quase sempre os mesmos e já corremos todos os que nos interessavam efetivamente) , acabámos por optar pelo Portucale: localizado no 14.º andar da Cooperativa dos Pedreiros, na Rua da Alegria, o Portucale é um dos restaurantes mais (re)conhecidos e clássicos da cidade, antes mais porque oferece uma belíssima vista sobre ela, mas também pela cozinha, tradicional portuguesa. E eu, que era uma estreante na coisa (a RV já lá fora, há uns anos), estava mortinha para aferir se a fama correspondia ao proveito.

[adrotate banner=”11″]

O restaurante disponibiliza parque, onde caberá não mais do que uma dúzia de viaturas – nós beneficiámos da marcação para uma hora boa (20h) e ficámos com o último espaço disponível; para além disso, uma rampa íngreme separa o parque da entrada do hotel que conduz ao restaurante e reparámos, por ser dia de chuva da parva, que qualquer pessoa que tivesse a ousadia de ir jantar de saltos altos ou mesmo de rasos de sola corria o risco de derrapar por ali abaixo, o que seria desagradável, para dizer o menos. Já dentro do edifício, o acesso ao restaurante faz-se por um único elevador, onde cabem 6 pessoas, e a subida é morosa – bem como a espera se, como foi o nosso caso, calhar de ter chegado um grupo grande segundos antes.

Uma vez no décimo quarto andar, e mesmo antes de desfrutar da vista (que seria bastante mais agradável se a noite não estivesse tão farrusca), tivemos a sensação de ter entrado numa máquina do tempo: tanto as tapeçarias na parede como o mobiliário remeteram-nos para meados do século passado – o que poderia ser divino, se o resto acompanhasse em qualidade. Os funcionários (entre 4 e 6, nessa noite) começaram por ignorar em absoluto a nossa entrada (o que não foi pessoal: fizeram o mesmo com todos os que chegaram depois de nós), o que nos fez ficar ali, de pé, uns bons cinco minutos, antes de olharmos uma para a outra com a cara do costume (nenhuma de nós é conhecida propriamente pelo bom feitio, sobretudo nestas coisas) e, sem abrirmos a boca, caminharmos em direção ao empregado mais próximo, reclamando a mesa que marcáramos há mais de uma semana.

Uma vez sentadas, do lado das enormes janelas que nos põem o Porto aos pés, apanhámos o primeiro susto: nos pratinhos do pão, jaziam duas tostas daquelas de pão de forma, quadradas, que se compram no supermercado para desenrascar a vida quando não há outra coisa que se coma – e começámos, desde logo, a temer pela noite. Mas, depois, constatámos que, para uma mesa ao lado, estava a ser trazido pão e mais umas coisas e relaxámos: em minutos, também tivemos direito ao nosso pedacinho de bola (honesta, sem problemas a apontar nem muito menos toque de genialidade), mini-croquete e mini-pastel de bacalhau, azeitonas belissimamente temperadas e umas rodelas de manteiga, que nos pareceu caseira, na versão normal e com ervas e alho. Infelizmente, o pão que nos foi oferecido para acompanhar o couvert, e que nos entusiasmou no primeiro segundo, por se apresentar quente, tinha só sido aquecido no forno – ou seja, mal esfriou, ficou com aquela consistência impossível de pastilha-elástica velha.

O Couvert
O Couvert

 

Mas tudo bem, não seria pelas tostas pindéricas e pelo pão idoso que nos estragariam a refeição. Escolhemos o vinho (meia garrafa de Esteva estava bom para um dia útil), sempre pago à parte, na RW (como também o é o couvert, nalguns restaurantes) e caminhámos para a entrada: a oferta compreendia Dueto de Tomate e Vichyssoise com Queijo de Cabra Gratinado, Crepe de Camarão com Salada Gourmet e Vinagre Balsâmico e, por fim, Salada de Salmão Fumado Com Crocante de Ervas. Escolhemos as duas últimas opções e tenho ideia de que os nossos ombros descaíram um nadinha mal os pratos chegaram à mesa, tendo as primeiras garfadas confirmado o desalento: o crepe de camarão poderia ser uma daquelas coisas congeladas que compramos no supermercado e depois fritamos, mesmo antes da hora de servir, para impressionar as visitas menos exigentes (ou seja, mata a fome se a tivermos e nem sabe mal porque é servido quente, mas não deslumbra); já a salada ia pelo mesmo caminho: o salmão fumado poderia ser o do Pingo Doce, dividido por três porções, no meio das quais se encontrava um ninho de salada (encimada por uma espécie de hóstia de massa folhada com ervas e alho, tão medíocre como dispensável) que, como no caso do crepe, era tão gourmet como as previamente preparadas que vêm das prateleiras dos (adivinharam) supermercados.

Mas nós não somos gente de desmoralizar e apostámos tudo nos pratos principais: caramba, agora é que os tipos iam perder a cabeça e mostrar-nos que valeria a pena voltar noutra altura, mesmo sem menus a baixo preço – de resto, se não for este o objetivo desta semana, para quê participar nela, do ponto de vista dos restaurantes?

[adrotate banner=”11″]

Pois, mas não – adianto já, para o caso de terem mais o que fazer. O trio de opções era composto por Bacalhau Lascado Com Migas de Grão e Grelos e Batata a Murro, Rosbife Flamejado, Molho de Cogumelos e Batata Palha e, finalmente, Bochecha de Porco Em Vinho Tinto do Douro e Arroz de Forno. Tudo soava divino e acabámos por escolher os dois pratos de carne, por nos parecerem mais originais – e, caríssimos, se a coisa até então não estava boa, neste momento resvalou em absoluto.

A magra fatia de rosbife era boa, como se esperava, mas tudo o que a rodeava (e sustentava) era absolutamente atroz e com ar de cantina universitária (com todo o respeito que tenho por elas: ensinaram-me a deixar de ser a esquisitinha que era aos 18 anos mas também a apreciar comida da mesmo boa): desde o arroz de açafrão moldado e frio ao feijão verde frio e demasiado al dente e (o pior de tudo) a batata-palha mole e jazente por baixo da tira de carne e (o horror!) do molho de cogumelos com natas similar ao que aprendemos a fazer quando temos de começar a desenvencilhar-nos na cozinha – tudo foi uma experiência sofrível. Do outro lado, a mesma sensação, talvez porque os acompanhamentos (tirando a batata-“palha” mole e encruada) eram os mesmíssimos: só a carne agradou, com a vantagem, de não haver cogumelos fraquinhos a macular-lhe o sabor. (A dada altura, invejámos a sensatez do vizinho do lado, que optara pelo bacalhau, mas não pomos as mãos no fogo pelo dito.)

A Bochecha de Porco

Só nos restava a sobremesa mas, nesta altura, já nada salvaria o desastre da escolha. De entre as três ofertas, deixámos de lado a Trilogia de Doces Conventuais com Gelado de Lima (e ainda bem que o fizemos: vimo-la numa das mesas do lado e não nos convenceu o aspecto) e pedimos a Sopa de Frutos Vermelhos com Gelado de Nata e o Fondant de Chocolate com Gelado de Baunilha e Aromas de Morango. E olhem, gentes nossas, nenhum dos dois estava mau, mas eram coisa que também se encontraria na Tasca do Ti Jacinto, com nomenclatura menos pomposa. Ok, o fondant não era farinhento e a sopa era mesmo compota, mas isso são mínimos, certo?

Para melhorar a coisa, só mesmo a performance inaudita do funcionário que nos trouxe primeiro o café e, looooongos minutos depois, a conta: pois que haviam faturado o vinho e o jantar sem os dois euros (um de cada uma) que iriam para a instituição com que a RW é solidária; estes, segundo a sua douta explicação, teriam de ser pagos em dinheiro (!) porque não poderiam entrar nas contas do restaurante. Ora sendo nós já batidas nestas coisas e nunca tal tendo ouvido, ainda tentámos ripostar que não só tínhamos direito a uma fatura no valor de tudo quanto pagávamos, fosse lá o valor para onde fosse, mas também que nunca, em nenhum dos (muitos) outros restaurantes já visitados, nas mesmas circunstâncias, nos haviam vindo com teoria tão rebuscada.

Depois de breves segundos, percebemos: havia que desistir da argumentação e pagar 23+1€ por estômago tal como ele dizia (e trazer fatura apenas de 46€: 38€ da refeição e 8€ do vinho, sendo o tal euro pago à parte); na verdade, o cérebro daquele senhor estava em consonância com o resto do restaurante: parado num tempo que não é bom para ninguém e muito longe da fama que ainda tem (porque a perderá, a curto prazo, se continua assim).

Tenham bons apetites, sim? (Melhores do que estes nossos, pela saudinha do vosso palato.)

Restaurante Portucale

Morada: Rua da Alegria 598, Porto
Telefone: 225 370 717
Horário: Todos os dias – 12h30 às 14h30 | 19h30 às 22h30
Aceitam reservas? Sim

No Zomato
Click to add a blog post for Portucale on Zomato
Não Se Esqueçam de Deixar os Vossos Comentários
E vocês, já experimentaram o Restaurante Portucale? Deixem-nos os vossos comentários no fundo da página. Obrigado!

Similar Posts

8 Comments

  1. Só de pensar que vou lá no Sábado… Depois dessa descrição os €20 por pessoa parecem os disparate. E aqueles cogumelos? Parecem mesmo de lata… Bem, vou-me preparando para aquela factura, é que não há pachorra.
    Claúdia

  2. Com o devido respeito, não vá tampouco à Tour d’Argent, ou à Enotecca Pinchiori, ou sequer ao Russian Tea Room… A menina é demasiado novinha…

    1. Caro Rodrigues Pereira, antes de mais seja muitíssimo bem-vindo ao nosso humilde estaminé. Depois, permita-me que lhe agradeça: pese embora a falácia ‘ad hominem’ e a absoluta ausência de contraditório, a sua apreciação da minha pessoa é tão simpática e abonatória que fiquei sua fã. E certamente seguirei o seu conselho: quem gosta do que me foi dado a consumir é excelsa bitola para que eu saiba aquilo de que não vou gostar. Grata, também por isso, e volte sempre.

        1. Aprecio o eruditismo (sou tão antiga que até latim estudei, imagine) e tenho todo o gosto em receber os seus desabafos e considerações nesta nossa chafarica. Mas este é um local onde se trocam juízos de gosto, devidamente fundamentados, com que se pode concordar ou nem por isso. Ou seja, será um prazer debater consigo as razões que subjazem aos seus comentários. De outro modo, não poderei responder ao que não pretende resposta – e, nesse caso, comentar o quê? Não desdenhe a diferença, caríssimo: ela não é menor ou maior, é só diversa. E que maçador seria o mundo se gostássemos todos dos mesmos restaurantes. Veja o caso do Portucale: não o recomendaria a quem quer que fosse com base na experiência relatada acima; e, contudo, respeito a sua opinião (que suspeito ser diferente, embora não a tenha sequer expressado) porque é o que faço por defeito.
          Uma boa noite e continuação de bons apetites.

  3. Ora isto não vai ser breve. Vai quase ser um post, ou então não. Mas se fosse um post num blog o título seria, como concordar com o acima vertido e (quase) querer voltar.
    Ora este Sábado apresentamo-nos com uma crianças de 2 anos no Portucale no âmbito do RW. Uma pessoa depois de ler isto já ia desconfiada. O que não ajudou ao entrar e ficar minutos à espera que viessem ter connosco. Aliás, ainda não percebi como passam por nós e não dizem nada. Dito isto vem um empregado que nos indica a mesa. Logo a seguir a criança vomita a entrada do Portucale toda! Muito agradável, eu sei, mas com crianças é mesmo assim. Ora rapidamente passamos de 4+1 para 2. E o tempo que demoraram a limpar o que o G. sujou também não tenho explicação… Depois é atendendo ao que tinha lido já não esperava nenhuma iguaria. E mais coisa menos coisa concordo na íntegra com a apreciação dos pratos. Sendo que eu comi o bacalhau, eu não era mau não senhora, mas não era nada que eu não fizesse. Confesso que de tudo o que menos gostei foi mesmo a sobremesa. Mas lá está já ia a contar com algo do género. O que me agradou de sobremaneira, a atenção do empregado. Foi simpático à antiga, o que às vezes faz falta. Sem ser aquela simpatia de hotelaria de agora, igual em todos. Preocupado com os nossos amigos que mal passaram a porta do restaurante, com a criança, sem nos deixar constrangidos pelo sucedido,bem pelo contrário. E a oferecer a possibilidade de irmos novamente quando quiséssemos com o mesmo menú e preço, bem como nos deu um voucher para uma refeição com entrada+prato de peixe+prato de carne+sobremesa com um copo de vinho diferente a acompanhar cada prato, por €30.

    Ora depois disto porque é que afinal não tenciono voltar tão cedo? Simplesmente porque tento ser criteriosa na escolha, e sem bem que por €30 por pessoa consigo comer bem melhor.

    Claúdia

    1. Olha que simpatia!!
      E sim, é-me perfeitamente verosímil a ideia de haver essa atenção, ali.
      A aura que o Portucale tem só pode ser baseada em qualquer coisa de muito forte, que fideliza as pessoas.
      Nós tivemos uma experiência fraquinha, mas admitimos que haja muitas e boas (e quem nos dera ter tido uma). :)

Comments are closed.