Não sendo nós, de todo, das pessoas que mais fazem refeições fora, somos meninos para alinhar em incursões a um par de vezes por semana, sendo que em ao menos uma delas tratamos de conhecer estaminés novos: ora isto dá uma meia centena de restaurantes por ano, o que nem sequer é extraordinário. Ainda assim, é o suficiente para que nos permitamos descobrir o que está na berra, o que sempre esteve e o que não está mas adorava estar – e isto aporta um espírito crítico que nos deixa dizer de nossa justiça, sem medos, mas também nos torna mais exigentes: é difícil que nos surpreendem a é ainda mais complicado que nos deslumbrem.
É, por isso, com redobrado prazer que, esta semana, trazemos ao conhecimento do nosso Cardume um restaurante que nos encheu as medidas, sem reservas – não se trata sequer de um estaminé novo, porque o Esquina do Avesso já abriu há uns meses (tantos quantos a nossa vontade de lá ir, porque o conceito de imediato nos cativou), mas é coisa que recomendamos de olhos fechados a quem gosta dos bons comeres. Como veem, hoje nem há direito a suspense: ao segundo parágrafo, já estamos a afirmar que gostamos muito, e nem sequer é por distração.
Mas passemos à nossa experiência, ocorrida em meados de agosto, numa noite daquelas mais frescas mas com um sol lindo, o que torna o Largo do Castelo (Leça da Palmeira), onde fica a Esquina do Avesso, coisa ainda mais simpática. O único problema desta localização é que há ali carradas de outros restaurantes, pelo que o estacionamento pode ser complicado, mas arranja-se sempre qualquer coisa, nas ruelas para o lado de trás – eu tive sorte e estacionei a dois passos da porta, devo confessar.
O nome do estaminé não é fruto do acaso: a casa faz mesmo esquina e, na primeira página da ementa, há o cuidado de nos explicarem o conceito de uma casa que já o era antes de ser, uma vez que nasce da “Tasca da Esquina” e vira-se “do avesso” para nos apresentar uma ementa original – mas já lá vamos. Comecemos pelo espaço: há uma esplanada cá fora, onde teria feito questão de ficar, não fosse o fresquinho dessa noite. Assim, quando me foi dada a escolher a mesa que reservara (a PG haveria de chegar um nadinha mais tarde), não hesitei muito: o piso térreo é mais bonito e bem decorado (as madeiras e os objetos escolhidos para ali figurar revelam a simplicidade do bom gosto que aconchega), mas o superior, embora mais pequeno, tem mais charme – e pudemos sentar-nos mesmo junto à janela junto ao teto, felizmente aberta.
Uma vez instaladas ambas as convivas, foi-nos facultada a ementa, que apresenta três sopas (a Do Dia, Caldo Verde e Sopa de Peixe) e três pratos “clássicos” (Bacalhau à Brás, Bife à Portuguesa e Bochechas de Porco à Alentejana), para além de duas opções em pão (prego e mini-hambúrgueres), para além dos petiscos por que o Esquina é conhecido. E estes, sendo treze, acabaram por nos assoberbar, porque tudo nos parecia bom – e é nestas alturas que peço sempre a ajuda-do-funcionário, o que também serve para aferir a qualidade do serviço: odeio pedir opinião e não ma saberem dar ou, pior, nem sequer terem grande conhecimento acerca do que é servido. Ora no Esquina do Avesso esse não é, de todo, o caso: a simpática funcionária que nos atendeu nesta fase soube responder a todas as nossas perguntas e, perante a nossa indecisão e pedido, aconselhou-nos a escolher 3 a 4 pratos, sendo que nos sugeriu aqueles que, no seu entender, seriam os mais apetecíveis – e desde já adianto, que hoje não há mistérios, que acertou no alvo.
Entretanto, havia-nos sido trazido o couvert, composto por pão do muito bom (fatiado, rústico), azeitonas saborosas (das miúdas) e uma trilogia de manteigas (manjericão, chouriço e milho – qual delas a melhor e mais fresquinha) que nos foi entretendo o palato e acompanhando a sangria de espumante e frutos vermelhos que escolhemos para beber.
Aguardámos pelos pratos principais muito pouco tempo (de resto, neste estaminé, o compasso está afinadíssimo e não há tempos de espera incomodativos): em primeiro lugar, vieram as Gambas Kataifi, que nos foram apresentadas como sendo um dos pratos mais pedidos – e eram de facto muito boas, aquelas quatro bichinhas envoltas numa massa frita (tempura) também usada no sushi, e servidas com molho sweet chili e maionese; logo depois, veio uma das estrelas da noite, o Scotch Egg de Pato Confitado, com o ovo mal cozido a fazer as nossas delícias (mesmo porque é um prato lindíssimo, para além de saboroso); em seguida, aquele que pensávamos que era o prato final: Gnochi Trufado com Cogumelos e Ovo Mole, coisa só para quem gosta muito de cogumelos (gordos e suculentos) dos muito bons. E nós gostamos, mas não ficámos satisfeitas, pelo que decidimos pedir o quarto prato que nos havia sido sugerido, o Pica-Pau do Mar – e que maravilha, outra vez: as gambas, as lulas, as amêijoas cheias, os mexilhões e o tomate cherry numa comunhão perfeita.
Agora sim, dávamo-nos por vencidas, mas não sem antes provarmos as sobremesas, porque a mousse de chocolate do Esquina do Avesso foi algo que me ficou na retina desde que lhe vi a fotografia, há já muito tempo. Paradoxalmente, outros sabores acabaram por se lhe sobrepor e a mousse acabou por ficar para outra oportunidade. Vieram o Mascarpone com Frutos Vermelhos e Suspiros para a PG (que eu provei e estava delicioso e fresco) e o Cheesecake de Manteiga de Amendoim e Caramelo Salgado para mim: ver dois dos meus sabores preferidos conjugados foi coisa para me impedir de pensar sequer noutro doce – e saboreá-los, num cheesecake desconstruído, foi de ir ao céu e voltar (mas muito mais feliz).
Para encerrar o festim, pedimos os belos do café e descafeinado (eu sou daquelas loucas que, se bebem qualquer coisa com cafeína depois das 16h, passam a noite em claro), que vieram com um delicioso bombom de caramelo rijo com recheio de chocolate, e a conta, que ficou em 32,20€ para cada uma de nós – preço simpático, se atentarmos na qualidade do que comemos (e na originalidade; afinal, trata-se de uma cozinha “de chef”), no modo como fomos servidos e na vontade com que ficámos de voltar depressinha.
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