Há já semanas que queríamos ir ao Mito: mal lhe conheci a ementa, houve um par de pratos por que salivei, só a partir da descrição. Ora sucede que houve duas tentativas prévias, que resultaram em nada: o Mito, ao menos até à data da nossa visita, nunca abriu à hora de almoço – e nós andamos numa fase em que a Baixa tem sido palco mais de almoços do que de jantares. Tratámos, por isso, de abrir uma exceção à regra, marcámos mesa e lá fomos, a meio de uma semana ainda de trabalho, para quebrar rotinas.
À chegada, pouco depois das 20h, tivemos a sorte de ter o espaço sito na Rua José Falcão todo para nós, o que nos permitiu apreciar a decoração minimalista, mas com muitos apontamentos de bom gosto: o chão, as mesas e cadeiras vintage, a iluminação industrial-chic (se o termo não existia, passou a existir), o faqueiro a mimetizar o que era uso há umas décadas. Gostei sobretudo da fachada toda em vidro: são janelas que nos dão a sensação, quando abertas, que a rua também mora ali – ou que nós mesmas estávamos também na rua.
Tratámos de analisar a ementa mais como um pró-forma, uma vez que levávamos o trabalho de casa feito; também sabíamos que queríamos dividir pratos, para saborearmos o máximo que pudéssemos. Assim sendo, pedimos o Tártaro de Alcatra, os Croquetes de Boi Velho e a Salada de Mexilhões Fumados. Para beber, um fino, que veio a ser Estrella Damn – longe de ser uma das minhas cervejas favoritas, continuo a conseguir bebê-la bem.
Entretanto, nos poucos minutos em que esperávamos, fomos debicando os pãezinhos de centeio com a manteiga do dia, caseiríssima, de coentros e lima – e que coisa tão boa, só apetecia trazer meio quilo e não se falava mais nisso.
Meu querido Cardume, o que se seguiu foi a continuação de um festim de sabores: não houve rigorosamente nada que se revelasse menos bom: o Tártaro, servido com gema curada em soja, caldo de cogumelos fumados e lâminas de cogumelos, estava tão bom como eu o imaginara; os Croquetes eram, no dizer da RV, “comme il faut”: sem farinhas, com carne da boa e tenra; a Salada de Mexilhões, com cevada, cebola roxa marinada, coentros, rúcula e citrinos (laranja e toranja) acompanhou os croquetes tão bem que poderiam sempre ser servidos assim.
Dávamos já o caso por encerrado quando, da cozinha, o F. (que foi meu aluno, há já muitas luas) surgiu com um pratinho de Croquetes de Peixe que, segundo ele, não poderíamos deixar de provar – e estavam mesmo muito bons: distinguia-se o bacalhau e o camarão, como é raro acontecer (bem sei que deveria ser regra, mas é exceção) e estavam acabadinhos de sair da fritura, o que os tornou ainda melhores.
Já muito satisfeitas, mas ainda não derrotadas, não poderíamos deixar de experimentar as sobremesas que foram a cereja em cima do bolo e vieram confirmar que, no Mito, é difícil haver o que quer que seja de menos bom: a Pavlova é mais “suspirenta” do que antecipámos e, ainda assim, ótima, e a calda de frutos vermelhos macerados valeria por si só; o cheesecake NY Style, de que pensei que não gostaria, por ter rum na sua composição, era, afinal, uma delícia de lamber a beiçola: bolo de queijo como deve ser, de forno, não os semifrios que se servem para aí, muitos deles sem sequer o aroma de queijo.
Contas feitas, este magnífico repasto quedou-se pelos 17€, o que me parece não apenas justo como até surpreendentemente barato para os bons apetites que nos proporcionou. Quando saímos, a casa estava cheia, numa mescla de turistas e locais constituindo uma ajuntamento eclético e agradável.
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