Saí de casa meio sem destino: tinha cá uma amiga de Lisboa, tínhamos combinado almoçar e a única cosia que sabia era que queria levá-la a um sítio “à Porto” mas era domingo e sabia que os sítios mais tradicionais estão, normalmente, fechados neste dia. Para além disso, é difícil escolher um só dos muitos bons estaminés a que já fomos (e os amigos sabem: quando me pedem recomendações, sou a pior do mundo a responder), pelo que tratei de resolver o assunto de modo a matar dois coelhos com uma só cajadada (a expressão é feia e merece substituição, mas serve para ilustrar a ideia): iríamos a um sítio novo para ambas, mas daqueles que eu intuía que só poderia ser muito bom.
E o estaminé escolhido foi a Taberna de Santo António, vizinha do Passeio das Virtudes, sita na esquina da rua do mesmo nome com a Rua do Dr. Barbosa de Castro – perto de tudo, portanto. Ali passei muitas vezes, sobretudo ao sábado junto à hora de almoço, despertando-me curiosidade a quantidade de gente à espera de mesa, o que só poderia prenunciar uma de duas coisas: um espaço demasiado pequeno e uma qualidade muito grande. Ora a verdade é que ambas se confirmaram: sendo eu a maníaca das reservas, desta feita fui à maluca, sem marcar, e o “castigo” foi esperar meia hora (que veio a ser uma hora, no fim de contas) para ter mesa.
Não houve qualquer problema: aproveitei para mostrar as redondezas à AM e, na volta, esperámos a meia hora restante na esplanada, onde só se servem bebidas e petiscos – aproveitámos para degustar uns excelsos rissóis de polvo e um belo de um fininho, em tarde de céu cinzento, mas quente e seca. Connosco, nas outras mesas de madeira e bancos corridos, havia sobretudo espanhóis, mas também nórdicos e britânicos – tudo unido em volta de uma linguagem comum: a comida. De resto, este é espaço onde se falam quatro idiomas com desenvoltura e muita simpatia: assisti a conversas variadas, com clientes habituais e visitantes ocasionais e a sensação de familiaridade era comum a todos.
Entretanto, chegou a nossa vez (a fome já era negra, nesta altura): fomos convidadas a ir para a sala de refeições, que não levará mais do 20 a 25 pessoas e estava pejadinha de gente. A decoração, inesperada, consiste em instrumentos musicais de capas de (bons) álbuns nas paredes de granito e as mesas e cadeiras são simples e despojadas. Uma vez sentadas numa mesa para quatro (a cozinha estava para fechar e éramos das últimas na fila de espera já não era necessário gerir lugares), foi-nos trazida a ementa, reduzida a meia dúzia de pratos tradicionais portugueses, dos quais escolhemos o bacalhau no forno e a vitela estufada com puré. Continuámos na cervejinha e, enquanto esperávamos, foi-nos trazido um pratinho com folhado de alheira, outro dos ex libris da casa, que estava muito saboroso, ainda que a massa folhada já não se apresentasse estaladiça, como deveria estar inicialmente.
Os pratos principais não demoraram e começámos, naturalmente, pelo bacalhau, que se apresentava em posta grossa e de tamanho generoso, acompanhado de batatas a murro, grelos, azeitonas, pimento e cebola – e estava tudo ótimo, como se tivesse sido feito pela mãe/avó (dependendo da faixa etária de quem nos lê e das competências culinárias da sua ascendência). Também a vitela, tenra e acompanhada de um molho apuradinho, que misturámos com o puré e com as ervilhas, não desiludiu: os sabores são, nesta Taberna, definitivamente caseiros, confecionados como em nossas casas, sem nenhum dos truques dos restaurantes de maior tiragem e menor qualidade.
Francamente, teríamos ficado satisfeitas por aqui: já tínhamos decidido que haveríamos de ir comer uma sobremesa a outro lado e prescindiríamos do doce ali. Mas, nessa altura, já a proprietária e cozinheira-chefe do restaurante, se sentara a almoçar ali a duas mesas e, ouvindo a nossa conversa com o filho, que nos servira (e que estava, também ele, já a matar a fome, seriam umas quatro e tal da tarde), nos dissera que nem imaginávamos o que perdíamos se saíssemos sem provar, pelo menos, o seu afamado bolo de chocolate. E nós, que somos umas fáceis, recordámos que, logo à entrada, havíamos catrapiscado os doces: a AM ficara de olho num tabuleiro salpicado de coco que, viemos a saber, era um bolo de bolacha (do bom com creme de manteiga). Vai daí, tomámos uma decisão nada difícil: comeríamos duas sobremesas (uma ali, outra no sítio em que primeiramente pensáramos) e não se falava mais nisso.
Vieram, por isso, uma dose do boblo de chocolate e outra do de bolacha – e só temos de agradecer encarecidamente à Sra. D. Hermínia, que não nos deixou ir embora sem ceder à tentação: o bolo de chocolate, servido com natas é baixinho e húmido, quase um pudim (não admira que o auto-intitulado melhor-bolo-de-chocolate-do-mundo, que abriu uma chafarica umas portas acima, se tenha visto obrigado a encerrar portas); o bolo de bolacha fez-me lembrar o da avó M, feito com bolacha torrada em vez de maria e salpicado com muito coco – uma especialidade.
Contas feitas e os excelentes apetites ficaram a penos de 15€ por estômago, o que veio a ser um excelente negócio e um ótimo cartão de visita para a minha amiga. Hei de voltar para os panados ou pataniscas com arroz de feijão. E para os rissóis de atum. E para a bola. Acho que ainda vou ser muito feliz (outra vez) nesta Taberna Santo António, casa familiar (aos comandos, pai, mãe e filho) e de bem-receber.
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