Comemorámos esta semana o quinquagésimo estaminé visitado (venham outros tantos!) e, adicionalmente, estamos a proceder ao encerramento da temporada, em jeito de série televisiva, que nós não somos menos que qualquer CSI de vão de escada. Trocado por miúdos, o que isto significa é que os Carapaus vão de férias por três semanas e, nesta medida, sem fugir ao tema eleito para o mês de Agosto (“Beira Rio”), escolhemos o D. Tonho, cujas referências eram bastantes para que soubéssemos que fecharíamos a nossa Season I, se não em êxtase, ao menos em beleza.
O D. Tonho é conhecido (também) por ser o restaurante propriedade de um dos músicos mais acarinhados do panorama artístico português, Rui Veloso (vale a pena visitar-lhes o site que não só está muito elegante como tem banda sonora do próprio) que, em 1992, com o sócio José Pereira, abriu este estaminé sito no Cais da Ribeira (entretanto, abriram um outro, do outro lado, no Cais de Gaia) – um dos primeiros à direita, quem vem do lado da ponte de D. Luís. Tem entrada pelo rés-do-chão e pelo primeiro andar, sendo que a sala de baixo é destinada a fumadores e não tem a vista da de cima, onde nos reservaram a melhor das mesas: a do meio, junto à janela.
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Dos cinco (para além dos dois Carapaus fundadores, a DB , o RC e a IP, todos eles membros do Cardume-quase-fixo), eu era a única repetente (há dois anos, almocei com o Rui Veloso ao lado: ao que sabemos, ele é daqueles proprietários que não se limita a dar o nome a uma Casa, antes a utiliza proficuamente, como se se tratasse da sua própria sala de jantar, quando anda pelo Norte) e a responsável pela nossa ida ao D. Tonho, o que me fez temer: na verdade, e depois da experiência da semana passada, cheguei a pensar que os restaurantes do Cais da Ribeira pudessem eventualmente alinhar todos numa crença segundo a qual teriam a ganhar com a troca da qualidade pela quantidade de turistas (e estes, sobretudo os do Norte da Europa, têm uma cozinha tão sensaborona que acham tudo bestial, mesmo o que não o é), em Agosto.
Tínhamos mais era que ir experimentar e tirar teimas, sem medos. O D. Tonho difere dos outros restaurantes da primeira linha, na Ribeira (conheço uma boa meia dúzia deles), desde logo pelo requinte do espaço: tendo também aproveitado a muralha medieval que os atravessa a todos, fá-lo com um imenso sentido de gosto. Todas as paredes são da mesma pedra (ou similar, admitamo-lo) de que é feita a muralha, que não só é respeitada como foi sublimemente integrada no espaço – vale, por isso, a pena, visitar a zona dos lavabos (de uma limpeza irrepreensível, com um toque de quase beleza), nas traseiras, onde a muralha é, ela própria, uma estrela. E, ao menos neste aspecto, e ainda que tenha melhor vista, a filial de Gaia jamais poderá competir com o estaminé-pai.
Uma vez chegados três de nós, e tendo de esperar pelos restantes, ainda pusemos a hipótese de atacar umas entradas, como é nosso apanágio, mas recuámos por duas razões: em primeiro lugar, porque de toda a oferta, a única coisa que nos punha a salivar era as gambas, mas é contra a nossa religião pagar 47€ por 600 gramas de uns bichos a quem faríamos a folha em poucos minutos, quando não era esse o objectivo da incursão; por outro lado, desagradou-nos a forma como as entradas são apresentadas: trazem-nas a todas para a mesa, num carrinho que ali fica enquanto decidimos o que nos apetece. E é justamente aqui que encontramos a falha: o D. Tonho é restaurante para muito mais do que pôr os clientes a pensar sobre há quanto tempo estavam aqueles pratinhos preparados ou por quantas mesas haveriam passado. Pelo sim, pelo não, ficámo-nos pelo pão de azeite e pela broa, sendo que é de salientar o primeiro: caseiro, gostoso, viciante.
Partimos, pois (e já os cinco) para as escolha dos pratos principais: a IP optou pela Dourada Grelhada, a DB escolheu a Posta de Vitela à Moda de Artur de Carviçais (“O Artur” é um restaurante em Trás-os-Montes, na aldeia de Carviçais, que fica a meio caminho entre Torre de Moncorvo e Mogadouro, a que o D. Tonho presta a sua homenagem), o RC foi pelo Salmão Grelhado, o AV pela Carne de Porco à Alentejana e esta vossa criada, que se lembrava do nome e do quanto gostara do que comera há quase dois anos, decidiu-se pelo Terra e Mar, que consiste em bife do lombo e pernas de polvo grelhados. Para acompanhar, optámos por um Muralhas fresquinho (que veio soberbamente gelado), a ver se não nos arruinávamos de vez – as sugestões do escanção, que constam da ementa (não pedimos a lista de vinhos), eram bem mais onerosas.
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Nesta fase, achámos todos que os pratos demoraram demasiado a vir, ainda que nenhum de nós saiba exactamente quanto tempo. É certo que a fome era já negra, dada a ausência voluntária de entradas mas, ainda assim, foi tempo em excesso, mesmo porque a sala, ainda que muitíssimo composta (sobretudo por turistas de nacionalidades várias, que não os de mochila-às-costas), não estava à pinha.
Mas eis que eram, enfim, chegados: pousados no mesmo carrinho que arcara com as entradas (a mesa teve sempre espaço livre, o que é raríssimo que aconteça), foram-nos servidos pela empregada que nos acompanhou do início ao fim. E se a Raquel (era o seu nome) estava, de início, algo presa à formalidade que certamente lhe é exigida por quem lhe dá ordens, a verdade é que foi-se soltando, numa atitude afável e cuidada (tendo reparado que eu tirava fotografias a tudo quanto mexesse ou estivesse imóvel, ofereceu-se para nos fotografar a todos – e foi uma estreia, em cinquenta chafaricas visitadas), sem jamais perder o decoro e a atenção (nunca deixou que precisássemos de nos servir de qualquer bebida).
Passemos, enfim, às apreciações: a verdade é que o D. Tonho é exímio nas carnes bovinas. Quer a posta da DB quer o meu bife do lombo estavam irreprensíveis. Já a carne do AV estava “meramente boa” (ele já comera melhor e eu também, tenho a certeza só de olhar). A dourada da IP estava “muito agradável” e o único que desagradou foi o salmão do RC, que estava já seco. De salientar que é visível o cuidado em servir pratos equilibrados, com todos os nutrientes aconselhados (só a Carne à Alentejana não trazia legumes, porque de facto é prato que não os pede), bem como quanto ao ponto em que deve ser servida a carne de bovino: sem que nenhuma de nós fizesse algum pedido em especial, os bifes vinham tenros, ainda que não em sangue (e eu nada me teria importado, confesso).
Com graus de satisfação diversos (ainda que fossem à frente as verdadeiramente satisfeitas), passámos às sobremesas. Quanto a mim, era por este momento que esperava desde que agendámos o D. Tonho, que tem um dos três melhores bolos de chocolate (ficam ex-aequo em primeiro lugar) da cidade do Porto – os outros são os da Cufra e do Terra (o Bolo da Sandra da Casa de Pasto da Palmeira é fenomenal mas consta de outro campeonato, uma vez que não é exactamente bolo, aproxima-se mais da mousse com suspiro), todos dentro do mesmo género: base húmida, parte superior de mousse amanteigada. Um manjar dos deuses que me impedia de experimentar outra coisa, o que quer que fosse. O AV alinhou no mesmo (e concordou com a apreciação), a IP escolheu a mousse de manga (demasiado doce para seu gosto, provavelmente boa para o meu), a DB foi para o gelado à Toninho (que, para sobremesa que dá nome à casa, é demasiado banal: duas bolas de gelado com chantilly) e o RC optou, a conselho da nossa Raquel, pela Tarte Santiago (bolo seco baixinho, com sabor amendoado, a lembrar os bolos das avós), que fez as delícias de todos, havendo até quem a preferisse ao bolo de chocolate (estou inocente, eu!).
Pedidos os cafés, era tempo de fazer contas: 28€ por estômago, com aquele serviço, aquela sala de mesas redondas e adequadamente dispostas, aquela vista e a qualidade do que nos foi servido (ainda que sem entradas e contabilizadas as insatisfações), pareceu-nos preço justíssimo, sobretudo porque estava-se ali tão bem que fomos dos últimos a sair (para um temporal que nos deixou ensopados até às espinhas, foi como se tivéssemos mergulhado num mar de água doce).
O Dom Tonho, que também é restaurante embaixador do Vinho do Porto, é um ex-libris da restauração da Invicta e ainda bem. Lá ou noutros locais, tenham bons apetites, sim?
Que curioso, ver na parede um quadro com fotos de uma “semana gastronómica da serra da Estrela”… com uma senhora de chapéu e lenço, em duas fotos… que é a líder do grupo Cantadeiras de Caria.
A senhora, D. Maria Alcina, ficou amuada comigo quando fiz, com as minhas filhotas, a rábula das «Cantadeiras de Carais», em que eu fiz de “Maria Albina, que se chamava assim por ter o buço branco”:
http://youtu.be/VPuQBk1S_r4
Ahhhahahahah!!!!
Lembro-me tão bem desta celeuma, Paulo… Mas não reconheci a dita senhora, quando fotografei as fotografias (parece redundante mas não é).
Errata: o D. Tonho abriu em 1992 e não em 1997.
Boa noite Miguel. Tem toda a razão :) Vamos corrigir. Obrigado! :)