Dizia-se clandestino, e, era aliás esse o apelo. Postos os olhos, e os pés, no pequeno apartamento com exíguas divisões convertidas em salas precárias de refeição, só podia ser. Daí a ser oculto decorre um hiato do tamanho do expresso do oriente.

Orgulhosos naquela façanha de encontrar um local escondido, conhecido por poucos, e desse grupo frequentado apenas pelos audazes, rumámos em direção ao Intendente e embrenhámo-nos fundo na Mouraria. Por algum motivo, a numeração dos pequenos prédios pitorescos, à volta do Largo da Severa, estava desorganizada. Esta banalidade divertia-nos por se tratar de um obstáculo, e pelo que se veio a verificar, o único, na tarefa que prevíamos herculiana – encontrar um restaurante ilegal a funcionar num apartamento. Uma tasca com uma esplanada tipo palanque exalava fado. Uma brisa de verão trazia os acordes que se enrolavam em nós. Fortuitamente os olhos ficavam presos a uma ou outra imagem em tons sépia deste ou daquele fadista que nascera ali ou além. Enleados em Lisboa era constantemente preciso recordar o propósito: o chinês! “Vão para o chinês?” perguntou um rapaz que relaxava num banco de jardim do largo empedrado e se fartara de nos ver às voltas. “É ali no fundo uma porta verde aberta. O carrinho do bebé está cá em baixo, segundo andar” – não era secreto! E satisfazia, ainda assim, a necessidade de diversidade para aquela noite.

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Logo na entrada do prédio, o carrinho, tags, graffitis e cheiro intenso a comida. Ao quinto ou sexto degrau, o calçado começou a patinar na escadaria, que é provavelmente o maior risco da experiência, só rivalizada em perigo pela quantidade de glutamato monossódico disponível em cada prato. No chão junto à entrada do apartamento, um tabuleiro em bambu com um bule e chávenas de chá esquecidas. No primeiro segundo, conferia um charme de residência nipónica, logo substituído pela imagem de desmazelo chinês, ao vislumbre do cortinado que axiomaticamente ocultava a cozinha, envolta em fumos e vapores. Uma asiática guiou-nos casa adentro. À esquerda, dois quartos pequenos, cada um com mesas para seis pessoas, cheias. Adiante, atrás da banca em mármore onde lavavam louça, entrámos na sala.

As paredes estavam sujas e na janela uma rede mosquiteira ficara cinzenta havia já alguns anos. A atmosfera era boa, sentia-se boa energia no ar. Jovens representavam subculturas em cada mesa, dois grunges, um rastafari, uma punk de cabelo azul e também havia lugar para três homens mainstream. Fomos convidados a sentar na mesa corrida com toalha de plástico e ficámos a pensar como é curioso que o alternativo seja uma redundância daquilo que substitui – estávamos juntos naquele melting pot onde nem os turistas faltaram.

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Elegemos os clássicos; galinha com amêndoas, lulas na chapa, arroz xau xau e cerveja chinesa servida à temperatura ambiente, provavelmente por falta de espaço para colocar mais um frigorífico. A comida chegou rápido e constatámos que as amêndoas tinham dado lugar a uma generosa quantidade de amendoim, declaradamente mais em conta. Estava razoável e sabia ao mesmo que as lulas, também elas acompanhadas por pepino e pimento. Um casal, que apostámos ser argentino, sentou-se na outra ponta. Bonitos e urbanos, além de representarem o grupo dos viajantes, podiam ser também os espécimenes de hipsters na Arca de Nóe antropológica que estávamos a encher.

De sorriso fácil nos lábios cuidadosamente pintados de vermelho, olhou para o nosso canto da mesa e desembaraçadamente perguntou “Que és eso?”. “Queres provar?” Provaram e replicam o pedido.

No caso, investir em mais uma diferença seria arriscar não cumprir uma das intenções daquela visita: uma refeição agradável e em conta na melhor companhia que poderíamos ter escolhido. O propósito da variedade, da distinção e da aventura já estavam assegurados mal sentimos o primeiro miligrama de adrenalina a correr nas veias ao ir Mouraria adentro. O conceito era um fim em si, e só por estarmos ali já enchíamos o espirito e meia barriga. Não era preciso muito mais, de facto, e percebemos muito bem os Argentinos. O negócio da China era esse.

Chinês Clandestino

Morada: Rua Guia 9, 2º Direito, Mouraria, Lisboa
Telefone: 966 355 786
Horário: Seg a Dom – 11h30 às 15h30 | 19h30 às 23h30
Aceitam reservas? Sim

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Nota: Não temos fotografias para acompanhar esta Posta de Pescada. A imagem de destaque foi retirada do site Zomato (autora Tânia Gomes)

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