Se a comemoração dos quarenta anos de um amigo é sempre festa imperdível (ou de outra idade qualquer, diga-se, em abono da verdade) seja lá ela onde for, quando o local escolhido tem uma personalidade arrebatadora, o evento torna-se ainda mais rico. Foi justamente o que aconteceu no jantar de aniversário do RP, que escolheu um restaurante tão incomum que nem quanto ao nome há consenso: o RP chama-lhe Galeria de Arte Neoanacronismo, o grupo de vinte miúdas da mesa do lado chamou-lhe Broadway Boogie Woogie e, descobri-o na net, há quem se lhe refira prosaicamente como A Cantina. Na verdade, a um Carapau que se preze de o ser, importa muito mais o que é do que o nome que se lhe dá, pelo que a designação por que optámos na galeria de fotografias respeita, apenas, a preferência do nosso anfitrião.

E o que dizer sobre este espaço? Bom, desde logo, que nada tem que o anuncie, exteriormente. Trata-se um rés-do-chão como tantos outros, cuja porta poderia conduzir a um armazém ou garagem. Como referência para quem sabe ao que vai, apenas um número da rua com mais galerias de arte do Porto (se não tem o proveito, tem ao menos a fama): o 570 da Miguel Bombarda. Este alberga uma escadaria em cimento, que conduz a uma galeria (propriedade de uns jovens japoneses que por lá andavam) e a uma porta que dá para um armazém – e somos chegados.

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À entrada, fica a transacção feita (20€ por cabeça) e só se volta a mexer em dinheiro caso saiamos antes da meia noite (nesse caso, são-nos devolvidos 5€ e fica o jantar por 15€): simultaneamente, é-nos entregue uma tira de papel que assegura que poderemos juntar dez (ou treze, dependendo das tiras) como aquela e teremos direito a uma obra de arte no valor de 200€.

Galeria Neoanacronismo | O carrinho de pipocas
O carrinho de pipocas

Depois… bom, depois o apetite fica em banho-maria, até que se descubram todas as maravilhas do restaurante, especializado em comida brasileira: desde fitas do Nosso Senhor do Bonfim a um santuário iluminado, de um busto de um Elvis maquilhado a uma parede decorada com instrumentos de cozinha manuais, de cartazes alusivos a bate-coxas de forró a uma casa de banho masculina que faria corar o Hugh Hefner, de um carrinho de pipocas/cachorros/algodão-doce a posters publicitários antigos, do Menino da Lágrima a Cristos, muitos Cristos – há ali de tudo. Tudo, menos tédio.

A sala é enorme, leva pelo menos cem pessoas sem que as mesas estejam umas em cima das outra; com facilidade, daria para dançar entre elas, não fora o ruído das gargalhadas e das conversas postas em dia sobreporem-se à música de fundo. Pode fumar-se e, ainda que ninguém o tenha feito na nossa mesa, vim de lá com um odor que parecia poder ter feito a folha a maço e meio, de rajada (ponto negativo, por isso).

O contrato é simples: as entradas (broa e pão dos bons, chouriço assado e azeitonas temperadas com oregãos) esperam-nos nas mesas (e até foram repostas, em parte, pelos empregados), mas o resto do serviço fica por nossa conta: há bebidas (cervejas Imperial [blhac!], Colas, sumos do Pingo Doce e vinho) num frigorífico que abrimos e fechamos ao sabor da nossa sede; já as águas, as caipirinhas, caipiroskas e sangria estão em cima de um balcão que nunca se esvazia; quanto à comida, é posta em cima de uma banca contígua ao carrinho “de pipocas” que serve de base aos temperos, em grandes tachos ou recipientes, e a malta que se sirva – embora com supervisão simpática dos empregados (contei três, fora os da cozinha) ou do dono, que andam sempre por ali. Os talheres, mais pratos, guerdanapos e afins, jazem por perto, num aparador antigo.

Galeria Neoanacronismo | Feijoada à brasileira
Feijoada à brasileira

À nossa disposição havia: um arrozinho de marisco acabado de fazer, muito janota (pese embora a presença das delícias do mar, quanto a mim sempre dispensável), e a tradicional feijoada à brasileira, carregadinha de carne e com o feijão preto a desfazer-se (comm’il faut, segundo os entendidos que estavam connosco e o próprio RP); a acompanhar, um arroz branco soltinho, farofa e a couve mineira, bem como laranja e abacaxi fatiados, para quem gosta de misturar fruta com estas coisas, ou de a consumir no final. Quem nesta altura ainda não estiver atestado, é livre para reabastecer quantas vezes quiser, até que a comida se acabe (o que não sucedeu na passada sexta-feira, mas não fomos os últimos a sair) – situação que não deve ser hábito acontecer, dadas as vezes que a cozinha enviou tachos com comida acabada de confeccionar para a sala.

Estamos, portanto, como se fosse em casa, sem constrangimentos de qualquer tipo e com comida sem limite. Para sobremesa, tivémos à disposição um crumble de maçã que, não sendo o melhor que já comi (o crumble foi feito com açúcar branco em vez de mascavado e as migalhas eram demasiado pequenas), estava muitíssimo bom. O café é de saco e fez torcer o nariz de quem se atreveu a prová-lo (que não eu). E depois veio o bolo e os parabéns-a-você (os presentes foram sendo entregues durante a noite – e o meu estava acabadinho de sair da última fornalha das t-shirts à moda do Porto do Tripas, um super-projecto dos nossos amigos ZM e CT – ora espreitem também a página de Facebook deles) e mais abraços… e a hora de vir embora, já que estávamos todos apostados em recuperar 5€. E recuperámos. E três de nós ainda trouxemos uma chávena de café assinada por estilistas ou artistas plásticos, de um lote que lá havia exposto.

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Vai daí, caríssima freguesia, fixem o nome deste restaurante (ou OS nomes, vá), caso queiram organizar um jantar de grupo, se gostam de ambientes descontraídos, decorações originais, preços simpáticos e boa comida. A Galeria Neoanacronismo, a.k.a. Broadway Boogie Woogie, a.k.a. A Cantina tem o nosso selo de qualidade e quer-me parecer que não demoraremos muito para lá voltar. Notem apenas que o estacionamento por ali não é fácil mas, com paciência, entre o Carregal, a Rua do Rosário e a zona frente à Maternidade, alguma coisa se arranja sempre (mais: à noite, naquele pedaço de rua, reservado a pedestres, os carros param à vontade e há quem tenha conseguido lugar á patrão, isto é, mesmo à porta).

Conselho final: tenham Alka Seltzer à mão. Ou sais de frutos. Ou Coca-Cola, ou Água das Pedras. Vão precisar: esta vossa criada, que tem um estômago bem treinado, esteve da meia noite às quatro da manhã a tentar acabar de fazer a digestão. Ou isto ou comam conscientemente – qualidade que não baixou neste Cardume.

E, enquanto isso, não deixem de ter bons apetites.

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