Fui passar uns dias a Lisboa, como tento fazer com alguma regularidade (menos do que a que gostaria e deveria, mas enfim), sobretudo no Verão (porque adoro a estação e adoro a cidade no Verão), para ver família e amigos e matar saudades deles e da terra que me viu nascer, sendo que aquelas pouco mais de 72 horas se revelaram um festim gastronómico – o que também não é novidade. Vai daí, e porque Carapau nunca deixa de o ser, mesmo em férias, trago-vos uma sucessão de meia dúzia de estaminés de índole variada e gamas diferentes (adoramos agradar a gregos e troianos, pronto), que apresentaremos aqui no estaminé por ordem cronológica, semana após semana.

Aterrei na capital no primeiro dia de Agosto, um sábado quente em que Lisboa se encheu de turistas (eu incluída) e viu fugir muitos locais para outras paragens. Ainda que nenhum de nós tenha propriamente o hábito de almoçar cedo, muito menos ao fim-de-semana, eram já umas três da tarde e o estômago começava a dar sinais de inquietude; de todo o modo, porque tinha de ir deixar a mala ao meu alojamento, dirigimo-nos primeiro à Rua do Loreto e, já que estávamos no Centro, pensámos em comer qualquer coisa por ali mesmo.

Subimos ao Príncipe Real e, evidentemente, o Prego da Peixaria fez-nos olhinhos mas, porque eu já lá havia estado recentemente e (sobretudo) porque já havia posta no blogue sobre o estaminé (que continuo a aconselhar vivamente), levei quem me acompanhava a escolher outro alvo – e acabámos por ir parar à Cervejaria Trindade, um clássico lisboeta amado por quem vem de fora e muitas vezes desprezado pelos locais. De resto, sempre me fez um nadinha de espécie este maniqueísmo, cujo raciocínio conclui algo parecido com o-que-é-bom-para-turistas-não-é-na-verdade-grande-coisa, que é conclusão assaz estranha, se pensarmos que o turismo é uma fonte de receitas importantíssima. E aqui reside o paradoxo: queremos turistas sim senhores, mas odiamos que nos invadam as cidades e como que defendemos uma espécie de apartheid quando aos poisos que frequentamos: nós, os locais ‘de bom gosto’, para um lado; eles, os turistas ‘fatelas’, para o outro. Pois nós, Cardume estranho também nisto, gostamos de turistas, nada a fazer; e não achamos, de todo, que os locais de que eles gostam sejam menores; mais: até gostaríamos que eles pudessem conhecer mais o que os guias turísticos da vida lhes mostram (e daí aplaudirmos iniciativas como a Zomato), mesmo porque também somos turistas e gostamos de ser bem tratados, nesse papel.

Mas, e perdoem-nos a divagação, voltemos à cervejaria Trindade: sita entre o Príncipe Real e o Chiado, trata-se, antes de mais nada, um local que merece a visita. Na verdade, aquele é o espaço de um antigo convento (e as farpelas dos empregados remetem para essa raiz histórica), o da Santíssima Trindade, cuja fundação remonta ao século XIII e onde Luís de Camões viria a apaixonar-se por Catarina de Ataíde, já no século XVI (as coisas que uma pesquisa nos ensina…! – o site da Trindade é uma pérola). O convento veio a ser parcialmente destruído por um violento incêndio, em 1708 e, em 1755, o que sobrava ruiu com o terramoto (e daí o dito popular “cai o Carmo e a Trindade”, que se refere a uma grande tragédia, como a que devastou os conventos com os mesmos nomes – hoje estamos muito didáticos, hã?). Há mais catástrofes nesta história, cujo esmiuçar deixamos aos curiosos como nós, mas avancemos: em 1836, este espaço passa a ser a Fábrica de Cervejas Trindade, que aproveita tudo o que pode daquilo que era o convento e que não mais perde o cariz comercial, tendo comemorado em 1987 150 anos de existência e fazendo hoje parte do grupo Portugália.

O espaço é imenso, divide-se por várias salas e só a esplanada alberga cem pessoas. Na verdade, quem estiver a precisar de marcar um jantar de grupo para duzentas pessoas, encontra na Trindade o espaço ideal, mesmo porque as próprias paredes, revestidas com azulejaria, são ponto de interesse. Apesar da vastidão, não é raro que a espera para se ser atendido chegue a sessenta minutos ou mais, que se passa entre finos e tremoços, logo no átrio.

Nós tivemos sorte: àquela hora, éramos só nós, os mariscos frescos, os empregados e umas três dezenas de pessoas que, espalhadas pelas várias salas, tornavam a coisa quase deserta e permitiram que fôssemos atendidos de imediato. A fome que trazíamos levou-nos a optar pelo óbvio: os bifes, que são um dos pontos fortes da casa. Como é hábito neste tipo de restaurante, podemos optar por um de três tipos de carne (alcatra, vazia e lombo – aqui apresentados pela ordem de preço) sendo que nenhum é menos bom: o lombo é mais macio, mas a alcatra é mais saborosa, por exemplo. Nós, que somos pelintras, fomos na alcatra e escolhemos o molho à Trindade, uma coisa boa à base de natas (menos a nossa grávida, que é espartana na alimentação e pediu, sabiamente, o bife grelhado). Os acompanhamentos não estão incluídos (e são pagos à parte), pelo que escolhemos batatas fritas para dois, uma salada e espinafres salteados. Passámos o couvert mas o pão, bastante bom, ainda foi atacado. Acompanhámos tudo com finos (à excepção da nossa grávida, evidentemente), como é nosso apanágio.

De resto, tudo estava janota, a salada tinha um toque de requinte, as batatas eram do melhorzinho que nos tem sido dado a comer, o molho era de facto bom e a carne muito saborosa e tenra e o serviço é simpático e bem-humorado, sem excessos (nem perdas de tempo, que ali há muito a fazer). Também passámos a sobremesa, porque a tarde já ia longa e queríamos ir pregar para outra freguesia, pelo que rematámos com cafés e descafeinado e pedimos a conta, que ficou em 18,50€ por estômago – o que faz da Trindade um sítio que não é barato, não senhores, mas constitui valor seguro, proporcionador de bons apetites)  e merece todas as visitas (ao menos as daqueles que acham que os turistas não mordem nem têm doenças que se peguem), nem que seja uma só vez.

(Nota: todas as informações e curiosidades históricas foram colhidas da página oficial da Cervejaria Trindade.)

Cervejaria Trindade

Morada: Rua Nova da Trindade 20C, Lisboa
Telefone: 213 423 506
Horário: Dom a Qui – 10h00 às 24h00 | Sex e Sáb – 10h00 às 01h00
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