Quando se pergunta a alguém se recomenda algum estaminé na cidade X ou do género Y e a pessoa aponta um, sem hesitar, não há que enganar: trata-se de coisa boa.

Foi justamente o que aconteceu quando, a caminho do Algarve, ao telefone com o PA e recordando que ele vai muito a Santarém em trabalho, fiz a sondagem; a resposta foi curta e entusiástica: “vai à Taberna do Quinzena. Estaciona junto ao centro comercial do centro da cidade e pergunta por lá, toda a gente conhece”. Negócio fechado e não se falava mais nisso. Ainda assim, conhecendo-me como me conhece, acrescentou: “olha que aquilo é coisa de amantes de touradas, mas a comida vale a pena”.

Estava decidido o destino para acalmar uma fome que era já negra, num dia de muito calor. Depois de nos certificarmos da localização exacta (“boa escolha!”, fez questão de exclamar o senhor da loja onde pedimos indicações), rumámos à morada. A Taberna do Quinzena é local afamado (também) entre os locais e apresenta-se, à primeira vista, como uma simples casa tradicional, térrea e sóbria; mas tudo muda quando passamos a porta: à recepção informal e simpática dos empregados, junta-se a sensação de assoberbamento – não há espaço nas paredes das três salas que compõem o restaurante que não estejam cobertas por cartazes alusivos a espectáculos de tauromaquia, o que não chega a chocar gente como eu e a MAA (que não só não somos fãs da “tradição” como defendemos o seu fim), que temos posição marcada mas não somos fanáticas . Confesso, no entanto, que a cabeça de toiro embalsamada pendurada na sala que nos calhou em sorte aquando da primeira incursão (porque houve duas, intervaladas por uma semana) me incomodou, como me chateia qualquer bicho embalsamado.

Taberna do Quinzena | A decoração
A decoração

Mas adiante, que as touradas são contas de outro rosário. Se exceptuarmos a referida peça de decoração e encararmos os cartazes como peças coloridas, juntando-os às mantas regionais (que, utilizadas como cortinas, separam as três salas) e às mesas corridas (para oito a dez pessoas), onde são misturados grupos diferentes, percebemos que há no Quinzena uma coerência que agrada. Os empregados são afáveis e têm sempre uma piada pronta (daquelas que têm meeeeesmo piada, algo de que nem todos os que tentam se podem gabar), a clientela é, na sua maioria, “da casa” e há ali uma ambiência de lar, que conquista quem está disposto a fazer uma refeição em ambiente mais do que informal. A nota  negativa iria para o imenso barulho que ali pode gerar-se (aconteceu na primeira vez), tornando impossível uma conversa em decibéis adequados – só não vai porque o barulho é de gargalhadas e de conversas fraternas, o que jamais pode ser negativo. Acresce que as  corridas (ora com bancos na mesma linha, ora com assentos individuais, pintados em cores garridas) não se separam, pelo que não é inusual os “da casa” terem de trocar de mesa, acaso chegue um grupo maior, que necessite de preencher aquele espaço.

E depois há a comida: o pão regional e a broa são de um sabor tal que dispensam acompanhamen
to, ainda que às azeitonas (que se assemelham às de Elvas, mas mais pequenas) seja impossível resistir. Passámos aos pratos principais que entradas são modernice que não cabe ali: à ida para os Algarves, escolhemos bacalhau à Quinzena (para a MAA) e espetada de porco preto (para mim) e, à vinda, entrecosto com arroz de feijoca e tiras de porco preto, respectivamente – e devo dizer que nada há que se lhes aponte, para além do rótulo de qualidade.

O empregado (o mesmo, nas duas incursões, que não só nos reconheceu como se lembrava do que comêramos) baralhou-se da primeira vez, o que talvez se tenha devido à casa cheiíssima de dia 1 de Setembro, e trouxe-me o arroz que eu pedira para retirar (todos os pratos de carne são servidos com batata frita caseiríssima e arroz) – o que serviu para o avaliar como muito bom, ainda que eu não seja arrozeira. A qualidade da carne é superior e o modo como é cozinhada e temperada (sal no ponto) devia servir de exemplo para muitos: tão mal passada quanto o porco permite, é suculenta e saborosa, o que me fez sair da Taberna do Quinzena praticamente a rebolar, dado que as doses são generosas, mesmo para quem come mais do que a média. Também o bacalhau (semelhante à receita “à espanhola”) agradou, com as suas batatas às rodelas sem mácula.

Taberna do Quinzena | O leite creme
O leite creme

Passemos às sobremesas. À ida, enquanto a MAA optou prudentemente por um flã caseiro (que estava, nas suas palavras, muito bom), eu fui insensata: a “doce tentação” foi-me apresentada como “profiteroles com chocolate, natas e doce de morango” mas esqueceram-se de me dizer (e eu de perguntar) que não era caseira. Ou seja: comi, não detestei, mas não me agradou: estava gelada em vez de cremosa e serviu-me de lição – à vinda, pedi ao empregado para me indicar, da imensa lista de sobremesas, as caseiras. Não precisou de recitar até ao fim: mal disse que o leite creme era queimado na hora, fechámos negócio – e valeu a pena: o creme (não aquecido), com sabor leve a limão, era fresquíssimo, e a camada de açúcar suficiente para que precisasse de ser partida com pancadinhas de colher, como eu gosto.

Para acompanhar tudo isto, eu fui na sangria das duas vezes; a MAA preferiu o tinto da casa à ida para Sul e acompanhou-me na sangria, no regresso a Norte. Tudo bom, servido em jarrinhos de meio litro, para beber em copos do tipo de shot (ou, em alternativa, que só nos foi apresentada na segunda incursão, algo que se assemelha a flûtes, para a sangria – eu gostei dos copos de shot e mantive-me fiel).

Taberna do Quinzena | Música e dança argentina
Música e dança argentina

Finalmente, não posso deixar de referir que, aquando da vinda, a clientela foi supreedida por um grupo de música e dança tradicionais argentino (que não estava ali para angariar fundos e recusou delicadamente qualquer contribuição), que se encaixaram entre as mesas e deram um espectáculo que agradou a todos os presentes, mesmo os que, como eu, tiveram de interromper a refeição (porque estava de costas) para os ouvir e ver (e aplaudir!) com atenção. Percorreram as três salas e foram, inclusivamente, seguidos por alguns clientes das salas anteriores, a quem não bastaram as quatro ou cinco músicas que tocaram em cada divisão. Foi como que a cereja em cima de um bolo que já era, por si só, uma delícia: os empregados fotografavam e dançavam enquanto serviam e só me livrei de dançar com um porque não acedi ao convite para o baile imediatamente (o que retrata bem o ambiente de informalidade e boa disposição que ali se vive).

Vamos a contas? Vamos. Os repastos ficaram por 10,75€ por cabeça, na primeira vez, e por 11,55€ na segunda, o que faz do Quinzena um dos restaurantes mais baratos de sempre, dos que os Carapaus já visitaram. E dos melhores. Porque, como avisou sensatamente o PA, não há cartazes alusivos à denominada “festa brava” que nos roubem o apetite ou a boa disposição, numa Taberna onde a boa mesa e o bem receber são mesmo o prato principal.

Bons apetites, Cardume!

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